domingo, julho 03, 2011

A Preparação do Ator


PPGSD – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito

Disciplina: Metodologia Científica

Profs. Maurício Vieira Martins e Wilson Madeira Filho – 2011/1


STANISLAVSKI, Constantin.
A preparação do Ator. Tradução de Pontes de Paula Lima. 26ª edição. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2009.

Paola de Andrade Porto

O enredo central do livro trata da estória de um curso de teatro, no qual diretores lecionam aos alunos a arte de atuar. O cerne da questão utilizada pelos personagens principais é a criação de um método de atuação. Com o decorrer da narração o autor nos remete a cada capítulo a um ensinamento metodológico que irá auxiliar aos alunos na preparação do ator.

Seu método, apesar de ter sido criado para as artes cênicas, também pode ser utilizado em outras áreas de profissão e ciência, assim como o ator Charlie Chaplin[1] disse sobre Stanislavsky: O livro de Stanislavski, "A preparação do ator", pode ajudar todas as pessoas, mesmo longe da arte dramática."

E justamente neste diapasão que tentarei fazer uma ligação da metodologia utilizada pelo autor para os alunos na preparação do ator com a metodologia utilizada por alunos na elaboração de um trabalho, dissertação ou tese, retirando fragmentos do livro que julguei como importantes lições e que podem ser utilizadas pela ciência acadêmica.

No capítulo VII, o autor irá tratar das unidades e objetivos.

O personagem do diretor no Capítulo VII ensina aos alunos através de um exemplo prático num almoço que, assim como ninguém consegue comer uma grande ave inteira de uma só vez, mesmo que a corte em alguns pedaços menores, seria necessário que cortasse em pedaços menores ainda para que o homem não se engasgue, o ator no momento de sua preparação deverá dividir o ato em pequenos pedaços que ele os denomina de unidades, para que ele não se perca.

Porém o diretor ressalta que o ator deverá dividir o ato em unidades que realmente importem, de modo que ele não se desnorteie do objetivo principal do ato.

“Assim também deve guiar-se o ator, não por uma infinidade de detalhes, mas por aquelas unidades importantes que, como sinais, demarcam o canal para ele e o conservam na linha criadora certa.”[2]

Fazendo um comparativo com a disciplina de metodologia científica podemos extrair desse ensinamento que, o aluno de posse do tema principal de sua dissertação deverá dividi-la em unidades, e destas unidades dividi-las em unidades menores, neste caso, em capítulos, itens e subitens de seu trabalho.

A subdivisão das unidades e o caminho a ser percorrido

“Não decomponham uma peça mais do que o necessário, não usem detalhes como guia. Criem um canal, delineado por divisões amplas, que tenham sido minuciosamente elaboradas e preenchidas até o último detalhe.”[3]

A divisão da peça, e no nosso caso, a dissertação, deverá ser feita em principais episódios orgânicos; com suas unidades maiores, dentro dessas unidades separar o conteúdo essencial. Cada unidade subdivide-se em unidades médias e pequenas. Mais uma vez o personagem adverte para o perigo de se dividir em unidades desnecessárias, capítulos e assuntos que irão tirar o aluno do objetivo principal do trabalho.

A busca pelo o objetivo

“O erro cometido pela maioria dos atores é o de pensar no resultado, em vez de apenas na ação que o deve preparar. Evitando a ação e visando diretamente ao resultado, obtemos um produto forçado que só pode levar a canastronice.”

Nesta passagem em que o autor chama a atenção para o risco de o aluno focar somente no resultado, e que ocasionará num produto forçado, podemos adaptá-lo para os exemplos de alunos que realizam seu trabalho já com um resultado de sua pesquisa pré-concebida ideologicamente antes mesmo de realizá-las. Por certo, qualquer pesquisa que faça, o levará num resultado fabricado e forçado, desmerecendo qualquer crédito científico neste trabalho.

Na questão dos objetivos o autor nos ensina a importância de identificá-los, sabendo eliminar quando são desnecessários ou inúteis. Da mesma forma devemos identificar os temas e assuntos principais que serão abordados numa dissertação.

“Achamos em cena inúmeros objetivos e nem todos são necessários ou bons. Muitos são até prejudiciais. O ator deve aprender a distinguir a qualidade, a evitar o inútil e selecionar objetivos essencialmente certos.”[4]

Num diálogo do personagem diretor com seu aluno, o autor demonstra que o objetivo deve ser interessante para o ator, caso o contrário não será interessante para mais ninguém. Igualmente o tema a ser trabalhado pelo aluno, a pesquisa, dissertação deverá ser mais interessante para quem o faz, e não para os professores, banca ou quiçá uma futura publicação, pois se não for interessante para quem o produz, logicamente não obterá um bom resultado e outros não se interessarão.

“- Mas um objetivo físico será...interessante?

- Interessante para quem?

- Para o público.

- Esqueça o público. Pense em você mesmo – se você estiver interessado, o público o seguirá.” [5]

Nomear um objetivo

Neste momento é explicado como extrair um objetivo de uma unidade de trabalho, o autor narra que o método é simples, consistindo em descobrir o nome mais adequado para a unidade, ou seja, um nome que caracterize a sua essência interior.

“O nome certo, que cristaliza a essência de uma unidade, descobre o seu objetivo fundamental”[6]

“Cada objetivo deve trazer dentro de si a semente da ação”.[7]

Transpondo para a metodologia científica, o método também se aplica na escolha do tema e nomeação dos capítulos e itens a serem abordados.

Capítulo VIII - Fé e sentimento da verdade

O autor nos remete a dois tipos de verdade e sentimento de crença, o primeiro é criado automaticamente e no plano dos fatos reais e o segundo é o tipo cênico, que é igualmente verdadeiro, mas tem origem no plano da ficção imaginativa e artística. Nesse sentido, é feito uma distinção do senso da verdade e o sentimento de crença.

Trazendo para o plano da pesquisa científica, tentarei conectá-la aos trabalhos que não retratem a realidade dos fatos estudados, isto é, ao estudar um determinado fenômeno o aluno deveria se afastar do objeto de estudo de modo que o retrate de maneira mais realista possível, para somente depois incrementar com os propósitos e propostas iniciais, que seria justamente a tese defendida, os quais o autor chamaria nas artes cênicas de invento de imaginação.

“A verdade em cena é tudo aquilo em que podemos crer com sinceridade, tanto em nós mesmo como em nossos colegas”[8]

Cortem 90%

No texto também aprendemos que não se deve expor demasiadamente a verdade a ponto de parecer falsa. Neste sentido, quando um ator exagera na transposição da realidade sua atuação fica forçada. Do mesmo modo, quando um aluno extrapola na descrição dos fatos, quando se utiliza de sentimentos pessoais na exposição do tema torna-o falso, contaminado por paixões pessoais ao caso estudado. Daí a expressão utilizada pelo autor, cortem 90%, que explicita a necessidade de se retirar 90% da emoção do ator/aluno na exposição do tema.

Outra questão interessante apontada pelo autor é quanto ao papel do diretor, quando ele diz: “...um crítico implicante pode deixar maluco um ator e reduzi-lo à impotência,”[9] neste momento do livro o personagem do diretor começou a criticar a atuação dos alunos de maneira tão veemente, que os alunos não conseguiam sequer se mexer direito.

Ousarei em fazer um comparativo, em nosso caso, com os orientadores dos mestrandos, quando é orientação é extremamente criteriosa e detalhista que não permite que o aluno desenvolva seu trabalho, aniquilando-o de qualquer produção criativa.

“O que devem cultivar é um senso crítico sensato, calmo, ponderado e compreensivo, que é o melhor amigo do ator. Esse crítico não os atormentará por ninharias, mas ficará de olho vivo na substancia do trabalho de vocês.”[10]

Um senso de medida

O autor nos ensina que para que uma ação seja válida, deve-se ter unidades coerentes e continuidade lógica. Neste ponto, tal lição se encaixa perfeitamente ao caso da metodologia científica, pois ao dividir o tema principal em capítulos, itens e subitens o aluno deverá percorrer um caminho lógico e coerente para que seu trabalho tenha sentido.

“Como é impossível controlar o todo de uma só vez, temos de fragmentá-lo e de absorver cada porção separadamente. Para atingir a verdade essencial de cada pedacinho e poder acreditar nela, temos de usar o mesmo processo que utilizamos na escolha das nossas unidades e objetivos.”[11]

Repetição das ações físicas.

Para um ator a repetição das ações físicas é fundamental no processo de memorização da cena. O treinamento e o ensaio orientarão o ator no momento da atuação, para que ele não erre ou se perca na cena. Transpondo à metodologia, a pesquisa e o incessante estudo no tema escolhido igualmente orientarão e nortearão o aluno para no projeto de dissertação.

“Se não estiver habituado a atuar para si mesmo fora de cena, pelo menos restrinja seus pensamentos ao que a pessoa que você está interpretando faria se fosse colocada em circunstâncias semelhantes. Isto o ajudará a conservar-se dentro do papel.”[12]

Método de afastar-se do sentimento, para não levá-lo ao exagero.

Retorna-se o tema do sentimento do ator e o risco de ser utilizado de forma exacerbada tornando a cena num ato falso e forçado. O ator deve se afastar ao máximo da emoção, principalmente quando o ato cênico tratar de questões que naturalmente envolvam algum tipo de sentimento. Agindo assim, as emoções se somariam e ocasionariam numa cena indesejada pelo público e crítica.

“Abortando assim a emoção, evita-se qualquer violência, e o resultado é natural, intuitivo e completo.”[13]

“Cheguem à parte trágica do papel sem estremeções dos nervos, sem sufocações nem violências, e, sobretudo, não o façam de repente. Encaminhem-se para ela de forma gradual e logicamente, por meio da execução correta de sua seqüência de ações físicas e acreditando nessas ações.”[14]

Finalizando o autor nos enriquece com a contribuição de entendermos que através da utilização de métodos aplicados na produção de outros saberes, por vezes, em muito se assemelham quanto a realização do todo. Embora, o artigo num primeiro olhar esteja direcionado a uma produção artístico-teatral, assemelha-se naquilo que pode resultar em um caminhar para consecução de trabalhos científicos-acadêmicos, isso porque, através do estudo, análise e crítica dos fragmentos apresentados na peça teatral, também podemos vislumbrar uma realização de uma pesquisa com vista a elaboração de teses acadêmicas.

Enfim, percebe-se, portanto, que os saberes se comunicam de forma interdisciplinar, embora, muitas vezes, possam ser apresentados de maneira quase que “camufladas”, mas que na verdade, pertencem ao ser humano como maneira de produção do conhecimento.


[2] STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do Ator. Tradução de Pontes de Paula Lima. 26ª edição. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2009. Pág. 151

[3] Ob.cit., p. 153

[4] Ob.cit., p. 156

[5] Ob.cit., p. 158

[6] Ob.cit., p. 159

[7] Ob.cit., p.161

[8] Ob.cit., p.169

[9] Ob.cit., p.172

[10] Ob.cit., p. 172

[11] Ob.cit., p. 180

[12] Ob.cit., p. 182

[13] Ob.cit., p. 188

[14] Ob.cit., p. 189